domingo, 31 de janeiro de 2010
Um dos maiores oradores do Brasil em ação durante a Campanha Presidencial de 1919
Esta era a época do discurso, e Ruy o consagrado mestre da oratória. Em 1910, havia disputado a presidência e perdido para o General Hermes da Fonseca, fazendo a campanha que se tornou conhecida, como a “campanha civilista”.
Ruy Barbosa foi um dos grandes mestres da oratória brasileira
O ano de 1919 começou com uma crise de grandes proporções. O presidente eleito Rodrigues Alves morreu em 16 de janeiro e, na forma da Constituição, uma nova eleição precisava ser convocada já que a sua morte ocorrera na primeira parte de seu mandato.
O candidato do “sistema” da República Velha foi Epitácio Pessoa, da Paraíba. Ruy, que estivera próximo de ser escolhido pelo “sistema” nas negociações de fevereiro, sentindo-se preterido por Epitácio, decide disputar novamente a Presidência.
Ruy disputa a eleição sem o respaldo do sistema - que se apoiava nas máquinas políticas dos governos estaduais e alternava Minas e São Paulo na Presidência (“política do café com leite”).
Sua candidatura estava fadada ao fracasso, pois, Ruy, na impossibilidade de contar com as “máquinas do sistema”, teve de levar sua mensagem para as massas urbanas, que, até então, tinham desempenhado um papel muito secundário nas eleições.
Com a eleição de 1919, as massas urbanas fazem pela primeira vez - e para ficar - a sua entrada na política brasileira. A surpresa da eleição de abril não foi a vitória de Epitácio por ampla maioria e, sim, que Ruy obteve praticamente 30% dos votos, uma marca notável e singular, para um candidato da oposição naquela época.
A campanha de Ruy e seu desempenho eleitoral significaram que os eleitores urbanos começavam a desempenhar um papel independente na política brasileira.
O discurso de Ruy é dirigido “Aos Professores e Estudantes da Bahia”, e foi pronunciado na Faculdade de Medicina da Bahia no dia 14 de abril de 1919. Na Bahia - sua terra - Ruy não havia conseguido a maioria dos eleitores amealhando, entretanto, 30% dos votos contra um governo estadual empenhado em derrotá-lo.
Não havia na época nem o rádio, nem o microfone elétrico, nem qualquer outro recurso que não a garganta do orador. O estilo, como é óbvio, é marcado pela eloqüência pomposa, rebuscada e literária. Um discurso como o de Ruy, parece-nos hoje como excessivo em palavras, inacessível ao eleitor comum, sem objetividade.
Entretanto, é uma peça brilhante – considerando-se a época – pelo uso magistral da língua, pelo movimento do discurso, pelas técnicas oratórias empregadas (a contradição, a construção do mistério, a repetição ritmada, o uso enciclopédico dos adjetivos e a produção da emoção mediante imagens, figuras de linguagem, expressões).
Notável é a sua abertura. A primeira frase do discurso, em 11 palavras, revela a sua orientação política, quem é o inimigo, a exaltação da Bahia, tudo sob a forma de um contundente contraste entre a Bahia e os seus governantes.
O DISCURSO
A primeira frase do discurso de Ruy barbosa, em 11 palavras, revela a sua orientação política e quem é o inimigo
Tudo, na Bahia, é grande, tudo, menos os que a governam. Esses, tão pequenos diante dela se sentem, que, neste momento, quando ela se revela toda na maior expansão conhecida até agora de sua grandeza, a evitam, a fogem, a distanciam de si, mais que nunca, receando-lhe a vista, não ousando encarar-lhe a majestade, e temendo-lhe os movimentos.
Não, senhores; ninguém jamais viu esta cidade inteira nas ruas, com essa intensidade ondulosa das grandes marés em crescente, como neste dia de inundação popular, em que todos os logradouros públicos se enchem de vagas humanas; em que as artérias da sua circulação lhe intumescem, como se estivessem a romper-se de supertensão que as dilatam; (....) Em que diríeis ver a Bahia toda respirando, pulsando, existindo numa só vontade, numa só consciência, num só coração, na harmonia de todos os seus em um espírito de harmonia divina. (...)
Esta mesma reunião de intelectuais, na qual “não entram paixões inferiores”, como bem disse, há pouco, o ilustre catedrático, que me acaba de falar em nome dos corpos docentes, esta mesma reunião da flor da nossa intelectualidade, não encontraria lugar, onde exercesse seus direitos, se o oficialismo, que lhe cerrou as portas, lograsse obstar a que se nos achassem abertas as desta Faculdade, pelo espírito liberal de seu diretor (....)
É, senhores, que a ciência e a liberdade são irmãs. A ciência não prospera senão à sombra da liberdade. A liberdade não prevalece, a verdadeira liberdade, senão estribada na ciência, alumiada pela ciência, e com a ciência consorciada na mútua aliança dos valores de ambas.
A opressão, pelo contrário, não subsiste senão graças à união forte da ignorância com a estupidez. Essa união pode ocupar tronos e ser conduzida em carros triunfais. Mas esses carros de triunfo, quem os tira, é a parelha do analfabetismo com a brutalidade. Mas esses tronos, onde assentam, é nos capachos da imbecilidade e do servilismo.
Ela não tolera o merecimento e a superioridade, não suporta a competência e o saber. Sua inconciliabilidade absoluta com a luz, com a limpeza, com a lisura, com a legalidade a condena a viver nas trevas, a detestar a instrução, a excluir a capacidade, a cevar a baixeza, a incitar o ódio, a se apoiar na violência, a desenvolver a selvageria, a chafurdar na imoralidade. Invejosa e malquerente, voraz e insaciável, libertina e concubinária, ostenta, nos seus paços a lascívia e a mancebia, pratica, nos seus atos, a espoliação e o latrocínio, cultiva, nas suas relações, a intriga e a mentira, converte, em suma, o poder público no espojadouro dos instintos mais ruins da besta humana e na proscrição das nossas qualidades superiores.
Ainda ontem, senhores, nesta capital, a vitoriosa atitude do povo bahiano se viu grosseiramente maculada pelas alarvarias da capangagem, que o governo atrela, o governo desaçama, o governo assoldada a expensas do tesouro público, notória, clamorosa, e cinicamente roubado pelos seus guardas.
Discurso de Ruy barbosa é marcado pela eloqüência pomposa, rebuscada e literária
Ainda ontem, eleitores, transeuntes e, até mulheres, experimentavam nas seções eleitorais as agressões dos sicários da polícia, e seus delegados. Assim, ontem, nas mesas eleitorais, se ostentava o escândalo da insolente prepotência das armas do jagunço em franca hostilidade ao eleitorado. (...)
Ainda ontem, por toda a parte, na superfície do Brasil, eram rejeitados os meus fiscais, era negada a consignação nas atas aos seus protestos, e milhares de eleitores nossos deixavam de votar, porque, sendo conhecida a cor de seus sufrágios, não se reuniam as mesas, para lhos receber.
Que posso eu, que valho eu, que sou eu, senhores, para servir de barreira a esses embates da força, desencadeadas pelo elemento oficial e garantida por ele nos seus crimes? (...)
Nossa reação, que a não estar próxima, já chegará tarde, grande papel vos reserva, homens da inteligência e do saber, homens da palavra e da tribuna, homens do ensino e da pena, grande papel vos reserva a natureza das energias, que, profissionalmente, vos devem caracterizar. (...)
Acima de todos os elementos da organização, de administração de regeneração, acima de todos se acha, evidentemente, como a mais política de todas as forças políticas, a inteligência, a cultura, a ciência. (...)
Se disto ainda vos não sentísseis cabalmente certos, bastaria atentardes no exemplo de agora. Todo este movimento nacional, que, em só quarenta e cinco dias de trabalho, ou nos terá dado também a vitória material, ou com a vitória moral, já obtida, deixará ferida mortalmente a vitória de nossos adversários, todo esse movimento é obra das forças imateriais, das forças intelectuais, das forças morais da nossa terra, em luta contra este obscurantismo, com essa incompetência, com essa amoralidade, que reinam sobre o Brasil.
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