quinta-feira, 11 de março de 2010

Sacrificar os interesses, e não as convicções

Quando disputava uma cadeira ao parlamento inglês por Bristol, em 1774, Burke fez um discurso que se tornou um clássico na defesa da tese da democracia representativa, em oposição ao que veio se chamar de democracia direta, na época praticada pela Revolução Francesa.

Burke fez um discurso que se tornou um clássico na defesa da tese da democracia representativa
O ponto principal do argumento de Burke é a sustentação da legitimidade de o representante eleito votar de acordo com sua consciência, mesmo contrariando a opinião daqueles que o elegeram.
No Brasil atual, a evidência de casos de mau uso das prerrogativas da democracia representativa, por parte de parlamentares e governantes, tem estimulado a discussão sobre a legitimidade daquelas prerrogativas (extinção da imunidade parlamentar, rejeição do voto secreto, etc).
De outra parte, a prática política do PT (eleição direta de dirigentes partidários, orçamento participativo) está recolocando na ordem do dia das discussões políticas a democracia direta como uma alternativa à democracia representativa. Esta é uma das questões de fundo do debate sobre a reforma política no Brasil, o que faz com que os argumentos de Burke, pronunciados há 227 anos, ganhem uma imprevista atualidade.
"Certamente deve ser a maior felicidade e glória de um representante eleito viver na mais estreita união, na maior correspondência e na mais irrestrita comunicação com seus eleitores. Os seus desejos devem ter uma grande importância para ele, a sua opinião um alto respeito, os seus interesses a sua mais extremada atenção".

"É seu dever (do representante) sacrificar o seu repouso, seus prazeres, e suas satisfações às deles (eleitores) e, acima de tudo e sempre, dar preferência aos seus interesses sobre os seus. Entretanto, a sua opinião sincera, o seu julgamento maduro, a sua consciência ele não deve sacrificar por vocês (eleitores) nem por nenhum homem ou grupo de homens. O representante de vocês deve a vocês não apenas o seu trabalho dedicado, mas por igual o seu julgamento pessoal; e ele trai vocês, ao invés de servi-los, se sacrificar este julgamento pela opinião de vocês."


"Meu valioso colega diz que a vontade dele deve submeter-se sempre à de vocês. Se governar fosse apenas uma questão de vontade é claro que a de vocês deveria predominar sempre. Mas, governar e legislar são matérias que dependem da razão e do julgamento, não da inclinação.
E que tipo de razão é esta em que a determinação precede a discussão ? na qual um conjunto de pessoas delibera e outro decide? E onde aqueles que decidem estão a centenas de milhas daqueles que ouvem os argumentos?" Ter uma opinião e externá-la é um direito de todos os homens.
A opinião dos eleitores é ponderável e respeitável, e um representante sempre tem interesse em conhecê-la e considerá-la. Por outro lado, instruções impositivas que o representante fica obrigado a cegamente obedecer, defender e votar, ainda que contraria à clara convicção da sua consciência e julgamento, é uma tese que brota de um erro fundamental sobre a ordem política e a constituição."
Parlamento: assembléia deliberativa da nação
"O Parlamento não é um congresso de embaixadores de interesses diferentes e hostis, e sim uma assembléia deliberativa de uma nação comum, com um interesse, o do conjunto da nação. Vocês escolhem um representante, é verdade, mas depois que o escolheram, ele não é mais um membro de Bristol, e sim um membro do Parlamento. Eu não queria tratar deste tema, mas não vou deixar de ter sempre uma respeitosa franqueza com vocês.
Até o fim da minha vida serei um amigo fiel, um servidor devotado de vocês, um bajulador jamais. Ser um bom parlamentar, deixem-me dizer-lhes, não é tarefa fácil, especialmente nestes tempos em que há uma disposição tão forte de ceder aos perigosos extremos da submissão servil e da popularidade fácil."